geografica

Revista Geográfica

ISSN: 1011-484X

Número 59 Julio-diciembre 2017

Doi: dx.doi.org/10.15359/rgac.3-59.10

Páginas de la 309 a la 339 del documento impreso

Recibido: 14/11/2016 • Aceptado: 13/3/2017

URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/



Violência urbana em uma metrópole amazônica: a produção do espaço e dos aglomerados de execução no município de Marituba/para (2011-2013)

Urban violence in an amazonian metropolis: the production of space and enforcement clusters in the municipality of Marituba/para (2011-2013)

Wellington de Pinho Alvarez1

João Marcio Palheta da Silva2

Christian Nunes da Silva3

Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

Ricardo Ângelo Pereira de Lima4

Universidade Federal do Amapá, Brasil

RESUMO

A violência homicida está presente e espacializada por todo o território municipal de Marituba, especialmente nos aglomerados subnormais, onde – no período de 2011 a 2013 – mais de 200 execuções foram registradas. Por efeito, os conflitos marcados pela ação violenta e a extinção da vida indicam um problema territorial, em seu sentido complexo, na organização e estruturação da vida em coletivo. Neste sentido, a questão que alinha a (des)ordem e a violência é a mesma que conecta o empoderamento local, a conquista da qualidade de vida e o desenvolvimento social. Por efeito, a violência homicida é um dos reflexos da fragilidade sociopolítica das comunidades que evidenciam os aglomerados de execução. Este artigo procura demonstrar, por meio da análise de dados oficiais e das pesquisas bibliográficas e de campo, como estão territorializados os aglomerados de exclusão e de execução no município de Marituba e como as instituições de segurança manifestam e onde a violência se concentra e/ou se manifestam mais veementemente.

Palavras-chave: Violência Homicida, Aglomerado de Execução, (Des)ordem, Território.

ABSTRACT

Homicidal violence is present and spatialized throughout the municipality of Marituba, especially in subnormal clusters –where, in the 2011-2013 period, more than 200 murders were recorded. Consequently, the conflicts marked by violent actions and deaths show a territorial problem, -in its complex meaning, in the organization and structuring of collective life. In this regards, the question that aligns the (dis)order and violence is the same that connects local empowerment, the achievement of quality of life and social development. Consequently, homicidal violence is a reflection of the socio-political weakness of communities that demonstrate the performance of enforcement clusters. This article aims at demonstrating, through the analysis of official data, bibliographical and field research, how the exclusion and enforcement clusters are territorialized in the municipality of Marituba, how security institutions are evident, and where violence is concentrated and /or is most vehemently evident.

Keywords: Homicidal Violence, Enforcement Clusters, (Dis)order, Territory.

Introdução

O espaço segregado da periferia urbana abre campo para diferentes formas de territorialidade – ou melhor, possibilita inúmeras formas de territorialização, seja de cunho econômico, cultural e político, – bem como possibilita a territorialidade pelo laço da identificação com um determinado grupo e sua particular estratégia de sobrevivência, ou de hegemonização. Este vetor, com sentido e direção, aponta para a periferia urbana como área reprodutora de mão de obra e da (des) ordem5.

É no espaço periférico urbano que ocorrem as principais violências: a exploração econômica, social e política. Dessa forma, o processo de sobreposição dos poderes, ou melhor, sua manifestação em face da territorialização cria espaços dicotômicos, que se manifestam como um dos artifícios provenientes das relações de hegemonização social, indicando a gênese particular dos territórios. Neste sentido, o “território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvem o domínio ou o controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados” (Haesbaert, 2004, p.121).

No espaço periférico, toda variedade de violência, estabelecida como crime pela moral dominante, toda ação aplicada que desafie os princípios sociais já estabelecidos, positivados e materializados no corpo legal que caracteriza-se como crime, é vigiada e punida. Isto então é umas das formas de coagir ações que cominem em desordem. No entanto, mesmo com o estabelecimento do crime e sua constituição punitiva evidenciam-se nestes espaços, principalmente nos periféricos urbanos, a grande ocorrência da violência, principalmente os crimes contra o patrimônio e contra a vida, este último o de maior clamor público.

Este artigo tem como objetivo demonstrar, por meio da análise de dados oficiais e das pesquisas bibliográficas e de campo, como estão territorializados os aglomerados de exclusão e de execução no município de Marituba. O debate teórico-conceitual necessário para essa discussão aborda os conceitos e categorias de território, criminalidade e violência, essenciais para o esclarecimento da temática proposta. As pesquisas de campo no município estudado atestam o que os dados das instituições de segurança manifestam, a ratificação de territorialidades onde a violência se concentra e/ou se manifestam mais veementemente.

Em definitivo, este artigo procura demonstrar, como estão territorializados os aglomerados de exclusão e de execução no município de Marituba e como as instituições de segurança manifestam e onde a violência se concentra e/ou se manifestam mais veementemente, que passaremos expor na continuação deste trabalho.

Área de Estudo

O espaço urbano na Região Metropolitana de Belém (RMB) é uma composição de conjuntos habitacionais elitizados ou não, e áreas de invasão, ou seja, é uma conjunção de áreas de excelente infraestrutura e áreas insalubres e precárias, que lhe faz da RMB típico representante do espaço periférico metropolitano no Brasil.

A fragmentação urbana cominou com a formação de uma rede espacial dispersa e precária em toda região metropolitana, dando origens a diversos núcleos de ocupação principalmente nos municípios de Ananindeua e Marituba.

Assim inicia-se a construção de uma morfologia metropolitana, cuja característica principal é a ocupação extensiva de novas áreas, espaços insalubres, cujo movimento tornar- se-á maior nas áreas de conurbação entre os municípios de Belém, Ananindeua, e Marituba, espaço constituinte da região urbana3 (Penteado, 1968).

A região metropolitana que apresenta a maior concentração de aglomerados subnormais em relação ao total de domicílios ocupados entre todas as regiões metropolitanas do Brasil, 52,5%, o que corresponde a maioria dos domicílios em toda grande Belém (IBGE, 2010), o que corresponde as áreas de habitação nos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Barbara,

Segundo o IBGE (2010) a população de Marituba era de 108.246 habitantes, distribuídas em uma área de 103.243 km2 que reflete uma densidade demográfica de 1.047.44 hab/km2.

2. (Des) ordem e a materialização do espaço periférico

A evolução dos sistemas sociais há muito vem engendrando modificações nos sistemas produtivos, estes derivam em novas modificações, as quais tornam determinante o refazer como elemento constante. Este refazer incuti variações de ações e sua consequente materialização, que se verificam na heterogeneidade do espaço social.

A heterogeneidade do espaço é manifesto e medido na estruturação, aparelhamento e oportunização, e não por acaso, a periferia representa a negatividade. Logo, a periferia é vista como um aglomerado, espaço subdesenvolvido6 e com caráter específico (Santos, 1980), apresentando exclusiva organização local, que é socialmente conhecida como: favela, baixada, periferia, aglomerado, entre outros nomes/noções/conceitos. O surgimento ou a concentração destas aglomerações denuncia a forma e a ordem de ocupação do espaço citadino, tal que o espraiamento do povoamento dos núcleos pioneiros e até das áreas longínquas, atesta a ocupação pela necessidade e oportunidade, a qual define o caos da insalubre moradia na cidade, principalmente na periferia urbana.

Dessa forma, o avanço das atividades produtivas na periferia do sistema capitalista, ou melhor, a dinamização e desenvolvimento industrial nos países em desenvolvimento, como no caso brasileiro, bem como o reflexo do desenvolvimento dos países centrais, fizeram com que as cidades mudassem drasticamente para abrigar a dinâmica produtiva, principalmente industrial. Esta, pois, reuni expectativa e esperança, contraditoriamente, tornar-se-á pólo concentrador e reprodutor de pobreza, destarte o espaço periférico urbano emerge como espaço de ocupação dos pobres, mesmo que em condições sub-humanas (SANTOS, 2009). Além disso, a urbanização – ligada às determinações sociais arroladas nos processos produtivos – ratificou a polarização econômica existente, bem como consolidou os grandes centros regionais como áreas de maior verticalização econômica, que influenciou a imigração e consequentemente o crescimento populacional.

Por efeito, a grande cidade segue um caminho de ocupação e povoamento duradouro, verificado principalmente no século anterior, a saber, é neste que a periferia e centro emergem juntos. Centro e periferia, pares, elementos desconexos de uma dialética complexa, pois a periferia é necessária, sua manutenção conecta-se à permanência da classe pobre; sua reprodução, colabora, decisivamente, para o desenvolvimento e permanência de atividades múltiplas, qual a produção, o comércio e serviços necessários. Assim, a ocupação do espaço citadino descreve um processo dialético e corrosivo, verificado na constituição e na manutenção da aviltante realidade, isto porque:

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial (Santos, 2009, p. 10).

A lógica de mercado instalada na cidade direciona o acesso e, por isso, os usos do espaço urbano e o custo do centro empurram grande parte dos habitantes antigos e também os novos para outros espaços, geralmente nas redondezas. Devido à necessidade, instalam-se nos limites da infraestrutura urbana, geralmente em movimentos populares conhecidos como invasão e/ou ocupação, as quais ocupam áreas particulares ou públicas, geralmente com fins de moradia e, muitas vezes, não abrigam condições urbanas adequadas, porém, são fundamentais para manutenção da ordem social.

É, pois, evidente que há pobres no centro e ricos na periferia, essas exceções se explicam pela relutância do primeiro e a busca de amenidades ambientais e econômicas do segundo. Sobre o processo de ocupação da periferia pela classe hegemônica, qual apoia-se principalmente nas intervenções públicas, verifica-se que:

Enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferências do Estado. A partir do momento em que os imóveis adquirem valor de mercado (hegemônico) por sua localização, as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial (Maricato, 1995, p. 12).

O desenvolvimento da periferia, ou a descoberta de amenidades ambientais socialmente valiosas (CORREA, 1989), torna a periferia abrigo de ações de diversos agentes sociais, principalmente o Estado e a iniciativa privada, ambos tentando ocupar a periferia urbana, ordená-la e, por conseguinte, torná-la um “novo centro”7.

A ação empreendedora do Estado e da iniciativa privada visa homogeneizar materialmente seu poder, transformando grande parte da cidade de acordo com suas prioridades e, é neste contexto que a cidade ilegal passa a ser palco de ações vertiginosas de transformações materiais e de novas ocupações sociais (Maricato, 1995). Isto ocorre porque o espaço periférico é também um espaço de valor largamente requisitado no contexto das novas necessidades sociais, estando à mercê das determinações dos hegemônicos.

Nesse sentido, o urbano “(...) poderia, portanto, ser definido como lugar da expressão dos conflitos, invertendo a separação dos lugares onde a expressão desaparece, onde reina o silêncio, onde se estabelecem os signos da separação” (Levebvre, 1999, p. 158). Assim, a dissimulação do real faz a cidade ilegal, que mesmo nascida de espoliação, fica sob a densa névoa que somente é rompida quando o caos instala-se e se deflagra para além de seus limites.

Constata-se que as lutas e as determinações sociais são responsáveis pela produção e reprodução do espaço, nas variações existentes, isto porque, as ações que culminam com a desestabilização social e política favorecem a perda articulativa. Nesse processo, ocorrem ações que relacionam as necessidades locais aos elementos territorializadores de predação, que surgem como intervenções urbanísticas de caráter exógeno, que não representam e não se articulam à realidade e às necessidades locais de desenvolvimento, mas que são associados à conquista local e que materializam a “des”ordem.

Sobre a violência, centro e periferia se conectam na necessidade de vigilância e proteção, por isso, a violência urbana é um dos focos centrais das políticas públicas. Na periferia será incutida a maioria das ações para a “manutenção da ordem”. É, pois, a periferia, visualizada como espaço do temor, da atividade criminosa e da “desordem social”, em que a sua continuidade se dará segundo determinações sociais provindas da ordem e das estratégias sociais de sobrevivência e adaptação, as quais alinham-se a manutenção da vida e o enfraquecimento do poder coletivo, o que necessariamente promoverá a rearticulação da vida social.

3. (Des) ordem e a anomalia espacial em Marituba

Os aglomerados urbanos, em geral, cumprem o papel que justificam sua constituição e forma. A gênese desse processo fundamenta a organização e a manutenção do sistema social, pois as conjecturas que mantêm esta marginalização congelam e fazem das populações, figuras da segregação. Por efeito, o espaço periférico metropolitano de Belém, em especial o município de Marituba, destaca-se pela propulsão das necessidades gerais e das carências sociais.

Isto porque, neste município, prevalece a ocupação ilegal do solo, formando grandes áreas utilizadas com fins de habitação, quais são, em primeira instância, áreas invadidas/ocupadas ou construídas em terrenos impróprios para habitação. Isto reflete as condições de vida da população, pois nestes lugares prevalece a ineficiência dos principais serviços públicos: saúde, saneamento básico, educação, mobilidade e segurança pública.

A partir deste pressuposto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, declarou que mais de 70% das áreas ocupadas para habitação são aglomerados subnormais8. Isto se verifica na quantificação destes aglomerados por bairro no referido município, como exposto na tabela 1, onde é possível visualizar o total da população residindo em aglomerados subnormais:

Tabela 1. População residente em domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais, município de Marituba (RMB) – 2010

AGLOMERADO SUBNORMAL

POPULAÇÃO

Agrovila Riacho Doce

456

Agrovila São Pedro

846

Almir Gabriel

12.512

Bairro Novo

6.605

Beija-Flor

4.862

Centro

2.195

Conjunto Jardim Imperial

2.672

Conjunto Nova Marituba

3.531

Dom Aristídes

6.372

Invasão do Decouville

903

Invasão Guara-Suco

3005

Invasão Vida Nova

350

Invasão Santa Clara

3.245

Invasão Santa Lúcia I e II

438

Invasão Uriboca

1.969

Mario Couto

2.698

Marituba I

2.924

Nova União

15.525

Novo Horizonte

2.273

Parque das Palmeiras

2.674

Pedreirinha

4.278

São Francisco

3.035

Total

83.368

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), organizado pelos autores.

Na tabela 1, os aglomerados subnormais em sua maioria, são também circunscrições de bairros, estes apresentam quantidade considerável de indivíduos que vivem em condições inadequadas de sobrevivência. A degradação dos espaços é uma co-manifestação da participação deste grupo nas atividades diretivas, de forma que os sujeitos nos aglomerados subnormais estão às margens de políticas públicas de desenvolvimento social.

De sorte, a realidade, destes grupos, configura um relacionamento entre as necessidades dos grupos viventes e sua manutenção. Os espaços marcados pela desorganização urbana são extremamente insalubres, a qual também é responsável pela instável permanência dos moradores. A tabela 1 descreve o real cenário da infraestrutura, da marginalização do espaço e sua população. Segundo o IBGE (2010), mais de 77% da área urbana de Marituba é composta por aglomerados subnormais, estas áreas abrigam 83.368 habitantes, ou seja, mais de 77% da população do município vive em áreas sem infraestrutura e em ocupações ilegais.

Tal representatividade é ainda mais constrangedora, pois a adjetivação de um aglomerado subnormal é a “precariedade de serviços públicos essenciais” (IBGE, 2010, p. 19), significando a ineficácia de ações públicas com vista à recondução destes grupos a uma realidade socialmente favorável e que possa reorganizar a vida de seus habitantes. Ao que parece, a institucionalização deste espaço em aglomerados subnormais, reinventa termos e reconstitui baixadas e favelas em termo anormal, manifestando a anormalidade e a ilegalidade que os produziu. Assim, a ação de ocupação do espaço e a organização deste é a manifestação de um movimento anormal e ilegal de seus habitantes.

O raciocínio conduz a percepção de que estes amontoados desorganizados urbanos, com inúmeros adjetivos, são por si mesmo explicados, tal que sua desorganização reflete a desconsideração das normativas legais constituindo este em prova irrefutável do descontrole geral, principalmente de uma antipatia com as regulações sociais, tal que “a ocorrência de um grande número de ocupações de terra, fruto de ações coletivas que faz surgir novas favelas da noite para o dia.” (Maricato, 1995, p. 11), isto quase sempre vem acompanhada da culpabilidade de seus habitantes.

Realidade Mariuara9, formada por uma composição de áreas ilegais, antigas ou novas, como os bairros Centro e Santa Clara, que têm na precariedade seu laço e nó, a materialidade e justaposição do termo ilegal, manifesta-se em um espaço urbano ilegal, enfim, uma parte ilegal da cidade.

A cidade ilegal (Maricato, 1995) é um fato real, palpável, materialmente estampada, com código e relações sociais particulares, não obstante, apresenta-se virtualmente, ou é ignorada diariamente. Neste sentido, a cidade ilegal, segundo a ordem hegemônica, é uma representação espacial da ilegalidade de seus criadores – leiam-se moradores, assim, o espaço ilegal é homólogo a uma população que age de maneira ilegal.

A ilegalidade social reforça a segregação e reinventa constantemente os mecanismos de desorganização política e social que justificam a manutenção destes espaços seguindo o mesmo princípio: a (des) ordem geral. Isto porque, a desorganização é instrumento de ordem e de manifestação do poder, onde os problemas sociais sejam causas em si e não relacionados à incongruente organização e relação social.

O respaldo deste argumento é a própria manutenção, principalmente no que se refere as intervenções do Estado, pois não se verifica a constituição de uma organização estruturante, que este possa conduzir a um desenvolvimento espacial com justiça social (Souza, 2008), pois, na cidade ilegal:

Enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferências do Estado. A partir do momento em que os imóveis adquirem valor de mercado (hegemônico) por sua localização, as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial (Maricato, 1995, p. 12).

Em geral, a cidade ilegal continua viva até a promoção pública ou privada de ações de reorganização e estruturação, pois em grande medida estas ações colaboram decisivamente com sua valorização. Consequentemente, promovem a inserção de novos serviços e a contundente valorização do solo, isto, compassadamente, ajustará a realidade ao custo de vida. Logo, estas tornam-se excludentes aos mais pobres, pois “uma das razões pelos quais os pobres tendem a não se fixar, sendo levados para localizações sempre mais periféricas, vem do custo dos serviços” (Santos, 2009, p. 56). Isto promove a manutenção do ciclo de ocupação irregular, o surgimento de novas invasões e por assim dizer a reinvenção da cidade ilegal. Expandida por todo sítio urbano, a ocupação ilegal, apresentada como aglomerado subnormal (IBGE, 2010), pode ser vista em seu caso particular, como se vê no mapa 1:

Mapa 1: Aglomerados subnormais no município de Marituba (Pará).


Conforme se observa no mapa 1, grande parte do solo urbano do município de Marituba está em aglomerados subnormais, sendo 77, 4% das moradias, e 77, 2% de sua população vive nos espaços denominados como aglomerados subnormais (IBGE, 2010), isto demostra que a cidade, em si, representa e se manifesta como um grande espaço construído e organizado de forma ilegal.

Sendo os dados do IBGE (2010) para os municípios com domicílios particulares ocupados com 20% ou mais, caracterizados como aglomerados, o município de Marituba desponta como o primeiro colocado, acompanhado de outros municípios da Região Metropolitana de Belém (RMB), como destaca a tabela 2:

Tabela 2: Domicílios particulares ocupados total e em aglomerados subnormais e população residente em domicílios particulares ocupados total e em aglomerados subnormais nos municípios com 20% ou mais de domicílios ocupados em aglomerados subnormais – 2010.

Municípios com 20% ou mais de domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais

Domicílios particulares ocupados

Proporção de domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais (%)

População residente em domicílios particulares ocupados

Proporção da população em áreas de aglomerados subnormais (%)

Total

Em aglomerados subnormais

Total

Em aglomerados subnormais

Marituba – PA

27.413

21.220

77.4

107.997

83.383

77.2

Ananindeua – PA

125.922

76.770

61

471.604

288.611

61

Belém – PA

369.177

193.557

52.4

1.392,332

758.524

55

Total RMB

522.512

291.547

55,79

1.971.933

1.130.518

57.33

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Organizado pelos autores.

Com total populacional de 107.997 habitantes (IBGE, 2010), somente 24.629 não vivem em aglomerados subnormais, isso quer dizer que somente 22,8% dos moradores deste município vivem em espaços regularizados e com disposição de serviços, tal como educação, saneamento, saúde e regulação da organização dos usos do solo urbano. A existência majorativa de espaços insalubres e ilegais representa de forma contundente a segregação socioterritorial, como é visível no gráfico 1:

Gráfico 1. Domicílios particulares ocupados total, em aglomerados subnormais e população residente em domicílios particulares ocupados total e em aglomerados subnormais no município de Marituba – 2010

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Organizado pelos autores.

Assim, o gráfico 1, mostra que quase a totalidade dos domicílios está em aglomerados subnormais, desta forma, não é complexo entender que 77% da população vive em espaços insalubres e ilegais, o que não difere da Região Metropolitana de Belém, visto no gráfico 2, que demostra o problema de ordem e “des” ordem na formação do espaço metropolitano.

Gráfico 2: Domicílios particulares ocupados total, em aglomerados subnormais e população residente em domicílios particulares ocupados total e em aglomerados subnormais na região metropolitana de Belém/PA – 2010

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Organizado pelos autores.

A grande quantidade de áreas descritas como aglomerados subnormais, seja em Marituba ou na RMB, pressupõe a existência de uma população local desfavorecida, e desorganizada politicamente, que dentro da lógica territorial, subutiliza sua energia articulativa como grupo social e político, e que em decorrência disso, fragiliza-se, e sofre em grande medida influência e ações de um ordenamento exógeno, em que o poder se aplica e se manifesta na cristalização de ações de fiscalização, desapropriação e vigilância. Nesse sentido, o espaço materializa a disputa e os conflitos nas diferentes escalas de uso do poder; não por acaso, os territórios, representam-se no espaço e são lidos de forma multiescalar (Haesbaert, 2004), logo, “o espaço é fundamental em todo exercício do poder” (Rabinow; Dreyfus, 1995, p. 219).

Dessa forma, a “des”ordem estabelecida pela ocupação ilegal e a falta de acessos constituem um tipo de violência social, que tolhe o desenvolvimento e que favorece localmente a existência de estratégias de sobrevivência, criadas como adaptação às particularidades locais. Por efeito,

A relação entre habitat e a violência é dada pela segregação territorial. Regiões inteiras são ocupadas ilegalmente. Ilegalidade urbanística convive com a ilegalidade na resolução de conflitos: não há lei, não há julgamentos formais, não há Estado. À dificuldade de acesso aos serviços de infraestrutura urbana (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, difícil acesso aos serviços de saúde, educação, cultura e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desabamentos) somam-se menores oportunidades de emprego, maior exposição à violência (marginal ou policial), difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer, discriminação racial. A exclusão é um todo: social, econômica, ambiental, jurídica e cultural (Maricato, 2014, p. 1 – 2).

Assim um aglomerado subnormal e sua manutenção, no que tange a sua desagregação e desorganização, caracteriza uma ação coordenada de hegemonização e empoderamento, que se manifesta em desordem política e em variados conflitos sociais. Desse modo, a violência que se manifesta na periferia será em parte produto da ordem hegemônica, pois o subdesenvolvimento favorece a existência e a contínua ratificação do circuito ilegal, principalmente da economia da droga, do comércio de armas de fogo e das rixas locais. Elementos que, em geral, se manifestam em desordem e que favorecem o ciclo de subdesenvolvimento, por isso, a manutenção deste é, por assim dizer, uma estratégia de desorganização social e política, a qual sem dúvida promove diversos tipos de relacionamento que ratificaram a ilegalidade e a vida na marginalidade. Desta feita, os aglomerados são projeções espaciais da lógica ordenadora. Referente a isto, a anamorfose 1, que destaca os bairros com maior quantidade de população vivendo em aglomerados subnormais em Marituba:

Anamorfose 1. População em aglomerados subnormais no município de Marituba.


Segundo a anamorfose 1, os bairros com maior quantidade de população vivendo em aglomerados subnormais são União e Almir Gabriel, os quais somam mais de 20.000 pessoas habitando em áreas ilegais e sem infraestrutura. Não por acaso, estes também serão os espaços marcados como os mais violentos do município e da região metropolitana de Belém.

Os aglomerados subnormais são, em linhas gerais, espaços marginalizados, criados e mantidos para ocupação dos mais pobres, bem como para reprodução da força de trabalho e manutenção das atividades econômicas e políticas entre o centro hegemônico e a periferia. Assim, a ratificação do espaço marginal é a própria marginalização social de seus habitantes, pois a degradação humana está intimamente ligada às intempéries que os espaços subdesenvolvidos sofrem, por efeito, a cidade é feita de “vidas em contraste” (Kowarick, 2009, p. 13).

A materialização de espaços subdesenvolvidos é a marca da ilegalidade; conectados à marginalização, seu principal expoente, de forma que relaciona-se o aglomerado à subnormalidade. Isto se alinha à anormalidade do comportamento social e não ao viés territorial, no que tange ao empoderamento político e social transformador da sociedade. Por isso, o espaço desagregado é a materialização da “des”ordem social, que na lógica geral se incuti a insalubre realidade, a causa e consequência das ações anormais de seus habitantes, transformando e obscurecendo a ordem geral.

4. (Des) ordem territorial e os aglomerados de execução em Marituba

Marituba está inserida em um complexo contexto de subdesenvolvimento, onde os espaços marcam a reprodução da pobreza, na eficiente estratégia de redução organizativa das populações em luta pela sobrevivência. Tem-se neste contexto, um dos problemas mais emblemáticos do espaço periférico, a violência homicida, sobre isso, faz relevo às informações da realidade criminológica no município de Marituba oriundos do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP), em uma compilação de informações de 2011 a 2013, que possibilita apontar de forma clara, objetiva e qualificada a violência letal.

Em escala nacional, o município é um dos mais violentos do país (BRASIL, 2014), pois em sua circunscrição territorial verifica-se a continuidade e contiguidade da violência letal, esses espaços marcados de forma periódica pela violência homicida são chamados de aglomerados de execuções.

Como é visível no mapa 1, dos Aglomerados Subnormais no município de Marituba, em que a área urbana em quase sua totalidade constitui aglomerados subnormais IBGE (2010), este município segundo o Observatório das Metrópoles (2013) tem o pior indicador de qualidade de vida dos municípios pesquisados no Brasil. Por isso, a existência de certa homogeneidade em termos das carências e necessidades entre os bairros, sendo que esta similaridade também descreve a homogeneidade das ocorrências de violência.

Por isso, os casos de violência não são particularidades de uma área. As similitudes entre os espaços relegam certa homogeneidade no medo e na intolerância presentes nas relações sociais estabelecidas, de maneira que a espacialidade da violência seja a manifestação mais aguda da complexa organização e do relacionamento social e, principalmente, da fragilidade organizativa das comunidades. Sobre as vítimas de execuções no município é apresentado na tabela 3, que mostra o registro de vítimas de homicídio por bairro no município de Marituba no período de 2011 a 2013.

Tabela 3. Registro de vítimas de homicídio por bairro no município de Marituba de 2011 a 2013.

Bairro

2011

2012

2013

Total Geral

Almir Gabriel

12

7

2

21

Bairro Novo

5

6

3

14

Centro de Marituba

20

12

12

44

Comunidade Japão

1

0

1

2

Comunidade Santa Lúcia I

0

2

1

3

Comunidade Santa Lúcia II

5

0

2

7

Comunidade São Pedro

1

1

0

2

Decouville

17

27

29

73

Dom Aristídes

4

2

7

13

Mirizal

2

2

3

7

Nova União

10

13

5

28

Novo Horizonte

6

7

3

16

Parque Verde

2

0

1

3

Pato Macho

0

0

2

2

Pedreirinha

2

1

3

6

Santa Clara

1

0

1

2

São Francisco

20

9

11

40

São João

1

1

2

4

Uriboca

0

1

1

2

Total

109

91

89

289

Fonte: Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP) – Pará (2014), organizado pelos autores.

Verifica-se, segundo a tabela 3, que há uma diferenciação na quantificação de vítimas de execução nos bairros Decouville 77 (setenta e sete), Centro 44 (quarenta e quatro), União 28 (vinte e oito) e Almir Gabriel 21(vinte e um), em que todos apresentam mais de 20 (vinte) registros de homicídios com características de execução e concentraram mais da metade dos registros de homicídios no município, 58,82 % dos casos. Estes bairros são reconhecidos como áreas impróprias, basicamente, são espaços onde “a lei do silêncio reina sobre os atos cometidos, não obstante, a vingança privada nestas áreas suplanta a sanção pública” (Kowarick apud Murad, 1995, p. 217).

Tem-se então a violência como produto da ação ilegal, de certo “natural”, plenamente conectado à sociedade local que age e tende à ilegalidade. Estes argumentos crepitam as relações sociais, da mesma forma como escamoteia a problemática territorial de empoderamento do grupo local. Para quantificar e temporalizar os homicídios nos bairros apresenta-se a mapa 2.

Mapa 2. Quantidade de homicídios por bairro em Marituba – Pará de 2011 a 2013


O mapa 3, novamente, destaca concentrações de ocorrências nos Bairros de São Francisco, União, Centro, Decouville e Almir Gabriel, todos com mais 10 (dez) ocorrências nos anos 2011, 2012 e 2013. Ressalta-se também que estes bairros são em sua totalidade aglomerados subnormais, a exceção do bairro Centro que é parcialmente. Para ampliar a noção de totalidade dos homicídios nos bairros, apresenta-se a anamorfose 2, que deforma a geometria dos bairros em decorrência da maior quantidade de homicídios.

Anamorfose 2. Homicídios por bairro no município de Marituba/Pará, de 2011 a 2013


A anamorfose 2 destaca a concentração de execuções, formando uma grande área com elevada concentração do crime de homicídios. Por conseguinte, os Bairros União, Novo, Centro, União e Almir Gabriel ganham em suas áreas maior representatividade, formando um centro contínuo de ocorrências e vitimização.

Com efeito, a crescente violência letal faz com que as áreas de maior densidade de homicídios tornem-se ainda mais concentradoras, pois uma execução geralmente é motivação para outra, consecutivamente elevam-se conflitos e rixas. Nesse sentido, a expansão da violência letal provoca a formação de um espaço contíguo de ocorrências e elevada vitimização.

A continuidade de homicídios nos bairros é visível na anamorfose 2, porém esta não possibilita a visualização dos principais locais de execução, ou melhor, não permite espacializar a agregação dos casos de violência letal em um grande e contínuo espaço de vitimização, ou seja, os aglomerados de execução.

Para uma visualização dos aglomerados de execução nos anos de pesquisas (2011 a 2013), bem como a constatação da existência de espaços marcados contínua e contiguamente pela violência letal, apresenta-se o mapa 3, o qual permite a análise da espacialização e concentração dos homicídios na cidade em questão.

Mapa 3. Aglomerados de execução no município de Marituba - Pará, 2011 a 2013


A concentração de homicídios ocorre em todo espaço urbano do município, entretanto, nos bairros Centro, São Francisco, União e Almir a violência letal é mais intensa, tanto que os locais de ocorrências praticamente não se modificam. Isto ratifica a manutenção do crime e proporciona a renovação dos conflitos, facilitando a manutenção do ciclo de execuções.

Os maiores números de homicídios em 2011, são manifestos nos bairros Centro, União, São Francisco e Almir Gabriel, formando uma grande mancha de homicídios, onde os bairros São Francisco e União se destacam pela contiguidade de ocorrências, que formam um conglomerado. Já em 2012, novamente, as maiores concentrações continuam nos bairros União, São Francisco, Centro, Almir Gabriel e Novo Horizonte. Este último se destaca quanto ao tamanho do aglomerado e sua área. Isto, porque este bairro não tem grandes proporções, mas apresenta grande concentração de homicídios.

Quanto a 2013, verifica-se uma dispersão das ocorrências, a isso relacionase a diminuição do número de homicídios, porém, os bairros São Francisco e União continuam com número elevado de registros de homicídio, somado a estes, o bairro Almir Gabriel também apresenta concentração de homicídios, ambos demostram a continuidade da violência.

De forma agregada, a concentração de homicídios de 2011 a 2013, clarifica a concentração de vítimas de homicídios em Marituba, tanto que existem espaços onde persistem os casos de violência letal, que particulariza em um mesmo território diversas execuções. A composição dos aglomerados de 2011 a 2013, revela em última instância, a continuidade e contiguidade deste tipo de violência. Isto, porque as manchas em coloração vermelho são homicídios em 2011, as em verde são homicídios em 2012, os de cor azul são homicídios em 2013. A partir de então a combinação das manchas permite a visualização do rosa para áreas onde ocorreram homicídios em 2011 e 2012; o amarelo para os casos em 2012 e 2013; lilás para ocorrências em 2011 e 2013 e principalmente o branco para a concentração de homicídios nos anos de pesquisa. Isto quer dizer que nas áreas onde o branco predomina estão localizados os aglomerados de execução no município de Marituba de 2011 a 2013.

Os aglomerados de execução são referências espaciais da “des”ordem estabelecida, “des”ordem que se comunica na manifestação socioespacial da anormalidade. Também por isso, estas são áreas segregadas, relegadas ao abandono e à desorganização política e social, pois as marcas de sangue incutidas no espaço social revelam a fragilidade social de seus habitantes, bem como descrevem a impossibilidade da comunidade local em estabelecer ações que culminem com o fim da violência letal.

A expressão espacial do aglomerado de execução alinha ao vetor de exclusão e precariedade que as populações locais, viventes em aglomerados subnormais estão imersas e, exatamente por isso, o aglomerado de execução é mais uma forma espacial inscrita em um ambiente de fragilização do poder local, pois “a violência aparece onde o poder está em risco” (Arendt, 2009, p. 74).

A questão territorial para compreender a violência é fundamental, pois o território se lê e se determina pelo uso do poder – que ratifica que as execuções e principalmente os aglomerados de execução, são fenômenos sócioespaciais oriundos da fragilidade sociopolítica, da sociedade vivente nos aglomerados subnormais. A ausência efetiva do uso do poder em caráter coletivo favorece o retorno às armas, financiando o aparelho coercitivo da violência com seus implementos, permitindo a ampliação do ciclo de homicídios (Arendt, 2004).

Por isso, em âmbito coletivo, a constituição territorial tende ao empoderamento coletivo, ampliando a rede de territórios ao embate político e às conquistas sociais. Isto favorece as lutas de classe, em especial aos desfavorecidos economicamente, fortalecendo a sociedade local, a ampliação da qualidade de vida e ao desenvolvimento socioespacial. De sorte, o empoderamento e a articulação dos territórios permitem a revitalização espacial aos moldes locais, manifestando a coalisão territorial em prol do bem comum. Porém, a fragmentação predatória dos territórios no espaço partilhado, a desconexão inicial das microrrelações de poder (Foulcalt, 2012), e principalmente sua ausência, expõem todos à violência, ao uso da força e das armas.

Considerações finais

A questão da violência homicida e sua incessante manifestação em aglomerados de execução representa a conectividade entre o esfacelamento das organizações locais de luta pela efetivação dos direitos já positivados, e a predatória forma de desorganizar as comunidades viventes em espaços periféricos. Este processo culmina com a redução do papel e da força das comunidades locais na geração das decisões sobre as ações em seus espaços, e marca a desvalorização da luta e das conquistas. Nesse sentido, os territórios e suas manifestações atitudinais remetem-se ao grupo social que lhes dá uso e função, de modo que, o território em precariedade de uso dilacera-se e com ele o poder que o organizou. Desse fato, desprende-se a problemática da insalubridade local e da péssima qualidade de vida.

Desse modo, o problema da (des) ordem e sua consequente manifestação em problemáticas sociais é vivo e constante, fazendo emergir nos espaços, a cada dia, mais conflitos e novas ações de “des”ordem. Por isso, a violência homicida cresce à medida que expande a fragilidade local, da mesma forma que o território em sentido coletivo e articulado desfigura-se, impulsionando, então, a utilização da violência e sua manutenção em um ciclo por meio dos implementos que lhes afirma.

Nesse caso, a questão territorial é o cerne dos embates que envolvem o ciclo de reprodução da pobreza, da qualidade de vida e do desenvolvimento social, pois sendo o território marca e manifestação de um poder consolidado e em constante consolidação, sua depreciação, somado ao arranjo coletivo de desestabilização, desfavorece as articulações locais, engendrando intensas e finas rupturas com o tecido social no todo. Isto particulariza a vida, intimida relações de resistência e de valoração, bem como submete a organização social ao mínimo de existência de manifestações temporais.

Desse modo, os aglomerados subnormais tais quais os aglomerados de execução são representações espaciais manifestantes da (des)ordem, que precariza e subverte a racionalidade local, favorecendo de maneira contumaz a desestabilização política e a perda do fôlego de luta e de empatia coletiva. Enfim, o problema da (des) ordem territorial na periferia socialmente produzida é a manutenção do ciclo de reprodução dos aglomerados subnormais, a cidade ilegal e, principalmente, a contundente espacialização dos aglomerados de execução no município de Marituba.

Referências

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1 Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Pará. Professor Assistente I da Universidade Federal do Pará (UFPA). Pesquisador do Grupo Acadêmico Produção do Território e Meio Ambiente na Amazônia (GAPTA/CNPq). E-mail: walvarez@ufpa.b

2 Doutor em Geografia. Pesquisador em Produtividade do CNPq. Professor Associado III da Universidade Federal do Pará. Líder do GAPTA/CNPq. Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO/UFPA). Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. E-mail: jmpalheta@ufpa.br.

3 Doutor em Ecologia. Pós-Doutorando em Desenvolvimento Regional no PPGMDR/UNIFAP. Bolsista FAPEAP/CAPES. Professor Adjunto II da Universidade Federal do Pará. Pesquisador do GAPTA/CNPq. Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO/UFPA). Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. E-mail: cnunes@ufpa.com.br

4 Professor Associado II – Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. Pós-doutor em Geografia PPGEO/UFPA. Bolsista FAPESPA/CAPES. Pesquisador do GAPTA/CNPq. Email: ricardoangelo_pereira@yahoo.es

5 Essa “des”ordem está intimamente relacionada à fragilização coletiva, em sentido amplo, com a perda articulativa do grupo social, ausência ou fraco empoderamento coletivo que permita ampliação das conquistas sociais e qualidade de vida de forma local.

6 Espaço onde as forças de modernização e desenvolvimento alcançam ao mesmo tempo que no centro, por efeito é impactado pelas forças do centro para máxima produtividade, estas quando emitidas dos centros mudam à medida que alcançam a periferia (Santos, 1980).

7 ornar um “novo centro” não no sentido apensa locacional, mas, principalmente, na oferta de serviços e de (re) produção socioeconômica.

8 O setor especial de aglomerado subnormal é um conjunto constituído de, no mínimo, 51(cinquenta e uma) unidades habitacionais (barracos, casas...) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, caracterizando-se da seguinte forma:

a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou menos) e; b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes – refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; além da precariedade de serviços públicos essenciais (IBGE, 2010, p. 19).

9 Como se reconhece o nativo de Marituba.


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